Tradução: Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin
Cinco são o número de escritos que levam o nome de Papias, entitulados "Exposição dos Oráculos do Senhor". Ireneu também menciona essas obras como as únicas escritas por Papias.
Este é o testemunho de Ireneu.
Papias não afirma ter sido ouvinte dos santos apóstolos ou tê-los conhecido pessoalmente. Contudo, ele ensina, com as expressões usadas, ter recebido a fé daqueles que foram íntimos dos próprios apóstolos:
"Para ti, não hesitarei em acrescentar às minhas explicações aquilo que outrora ouvi muito bem dos presbíteros, cuja lembrança guardei muito bem, estando seguro de sua verdade. Realmente, não me comprazia - como faz a maioria - com os que falam muito, mas com os que ensinam a verdade.
Também não me comprazia com os que recordam mandamentos alheios, mas com os que recordam os mandamentos dados pelos Senhor à fé, nascidos da própria verdade. Se, por acaso, acontecia de chegar algum dos que tinham seguido os presbíteros, eu me informava sobre a palavra dos presbíteros, isto é, o que tinham dito André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou outro discípulo do Senhor. E também o que falam Aristão e João, o presbítero, discípulos do Senhor.
Eu não achava que as coisas conhecidas pelos livros pudessem me auxiliar tanto quanto as coisas ouvidas através da palavra viva e permanente".
Vale a pena observar que Papias menciona duas vezes o nome de João. Primeiramente, relaciona-o juntamente com Pedro, Tiago, Mateus e os demais apóstolos, indicando claramente o evangelista. Porém, o segundo João - após cortar a frase - é colocado à parte, alheio ao número dos apóstolos, antepondo a este Aristão, e lhe dá, claramente, o título de presbítero. Dessa forma, também por esse testemunho, se comprova a realidade histórica dos que contam que houve na Ásia duas pessoas com o nome de João e que, em Éfeso, havia duas sepulturas que, ainda hoje, são atribuídas a João.
É preciso se atentar para esses fatos, pois é verossímil que o segundo - se este não for o primeiro - foi aquele que viu a revelação transmitida sob o nome de João.
Papias, de quem já falamos, reconhece ter recebido as palavras dos apóstolos diretamente daqueles que os seguiram; por outro lado, diz ter sido ouvinte pessoal de Aristão e João, o presbítero. De fato, ele freqüentemente os menciona pelos nomes em seus escritos, transmitindo a tradição deles.
Não é inútil dizer tais coisas. Vale a pena acrescentar outros relatos às já citadas palavras de Papias, onde narra outros casos extraordinários, informando que chegaram até ele pela tradição:
Já falamos anteriormente sobre a estada do apóstolo Filipe em Hierápolis, juntamente com suas filhas. Notemos, agora, como Papias, que viveu nessa época, cita ter recebido das filhas de Filipe o relato de uma história maravilhosa. Conta ele que, em seu tempo, ocorreu a ressurreição de um morto.
Além disso, outro prodígio aconteceu com Justo, cognominado Barsabás: conta-se que teria bebido veneno mortífero e, por graça do Senhor, nada sofreu. Conta-se, segundo o livro dos Atos, que essa mesma pessoa foi colocada pelos santos apóstolos junto com Matias, depois da ascensão do Salvador, quando [os apóstolos] oraram para que a sorte completasse o número deles, substituindo Judas, o traidor: 'E eles colocaram dois homens, José, chamado Barsabás, cognominado Justo, e Matias; e oraram dizendo...'.
O próprio Papias acrescenta outras coisas que teriam chegado até ele através da tradição oral, além de certas parábolas e ensinamentos estranhos do Salvador, além de outras coisas de natureza mais fabulosa.
Entre essas coisas, diz que um milênio se estabelecerá após a ressurreição dos mortos e, a seguir, o reino de Cristo se fixará fisicamente na nossa terra. Creio que essa sua opinião é fruto de uma má interpretação dos ensinamentos dos apóstolos, de forma que ele não compreendeu as coisas que diziam de maneira figurada e simbólica.
A verdade é que, pelo que se pode deduzir de seus próprios discursos, Papias parece ser homem de inteligência curta. Assim, ele é o culpado de vários escritores da Igreja que lhe sucederam terem adotado sua opinião, por confiarem em sua antiguidade. Foi isso que aconteceu com Ireneu e outros que pensavam igual a ele.
Papias também transmite em sua obra outras explicações para os discursos do Senhor, segundo o que ouviu do citado Aristão e das tradições de João, o presbítero. Remetemos à essas obras todos aqueles que têm interesse em conhecê-las.
Contudo, achamos necessário acrescentar ao que já dissemos sobre Papias, o que a tradição expõe sobre Marcos, que escreveu o evangelho. Assim se expressou:
"O presbítero também dizia o seguinte: 'Marcos, intérprete de Pedro, fielmente escreveu - embora de forma desordenada - tudo o que recordava sobre as palavras e atos do Senhor. De fato, ele não tinha escutado o Senhor, nem o seguido. Mas, como já dissemos, mais tarde seguiu a Pedro, que o instruía conforme o necessário, mas não compondo um relato ordenado das sentenças do Senhor. Portanto, Marcos em momento algum errou ao escrever as coisas conforme recordava.
Sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido, nem falsificar o que transmitia'".
Esse é o relato de Papias sobre Marcos. Sobre Mateus, diz o seguinte:
"Mateus reuniu, de forma ordenada, na língua hebraica, as sentenças [de Jesus] e cada um as interpretava conforme sua capacidade".
Papias também testemunha a primeira epístola de João e, igualmente, a de Pedro. Fora isso, conta outra história a respeito de uma mulher acusada de muitos pecados na frente do Senhor, história essa contida no Evangelho segundo os Hebreus. É preciso que acrescentemos isso ao que já foi dito.